Tá quente, não é? Continua colocando fogo no Pantanal que isso vai longe
Você está sentindo este calor?
Isso deve ser consequência dos 19.925 focos de incêndios registrados na Amazônia durante o mês de setembro e as 8.106 queimadas monitorados no Pantanal no mesmo período.
Você sabia que um dos efeitos das queimadas é a falta de chuva e a elevação surreal das temperaturas? Pois é! Vamos continuar queimando, “pois as florestas são úmidas e só pegam fogo nas bordas”.
O alta taxa de destruição que foi relatado até então causam sérios impactos no meio ambiente. E hoje o por Rica Inocente vai falar sobre os resultados dos incêndios. Vamos lá!
O quanto já perdemos?
Com o fechamento do mês de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou que a Amazônia teve um aumento de 61% de focos de incêndio e o Pantanal já registrou 18.259 queimadas.
Os biomas sofrem o seu pior momento. O Pantanal passa pelo seu pior mês, desde 1998, registrando 8.106 pontos de inflamação e a Amazônia queima, acumulando 32.017 incêndios de janeiro até o dia 30 de setembro.
Além disso, o país atingiu o seu recorde anual de queimadas. De janeiro a setembro do ano passado foram 66.749 focos. Neste ano, até o momento que esse texto era escrito, já atingimos 76.030. Uma alta de 14%
O resultado final disso tudo: o Brasil já perdeu 53.019km² de mata nativa da Amazônia e do Pantanal. Isso equivale a 34 cidades de São Paulo. Os números são de um levantamento do final de agosto.
Amazônia
Em Rondônia, o G1 começou a monitorar diariamente, desde de julho, os focos de incêndio através do “Programa Queimadas”, do Inpe. De julho para agosto a região teve um aumento de 621%, passando de 428 pontos para 3.086 em agosto.
Cerrado
Outro bioma muito degradado e pouco falado é o Cerrado. Em três dias - 25 a 28 de setembro - os bombeiros da região combateram 111 focos de incêndios, que acabou com 220,5 hectares, algo parecido como 220 campos de futebol. De julho a setembro, o fogo consumiu 174.918,89 hectares. O recorde anterior é de 2019, com 16.177,51 hectares. Até o dia 16 de setembro, o sistema registrou 38 mil focos de incêndios.
Pantanal
O grande destaque do momento é a região do Pantanal. Informações levantadas até 27 de setembro mostram que o fogo já havia levado embora 23% do bioma, equivalente a 3.461 hectares. Os dados são de janeiro a setembro deste ano e houve um aumento de 122% em relação ao mesmo período do ano passado.
O Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fez um levantamento das áreas mais prejudicadas do Pantanal.
Até o momento:
3.461 hectares já queimaram - 23% do Pantanal;
desde montante, 2.053 foi no Mato Grosso e 1.408 no Mato Grosso do Sul;
das regiões prejudicadas estão áreas de reservas naturais e terras indígenas;
Dentro deste espaço existem 24 unidades de conservação e das 13 atingidas pelo fogo, as mais afetadas são:
Parque Estadual Encontro da Águas - 84,5% de espaço perdido;
Reserva Particular do Patrimônio Natural Arara Azul - 89%;
Sesc Pantanal - 82%;
E não são apenas a mata e os animaizinhos que estão queimados. Famílias humanas também estão sofrendo. O espaço conta com sete territórios indígenas e deles:
93% da Terra Indígena Perigara já foi levado embora;
89,2% da Terra Cristina queimou;
85,4% do Bará dos Guató também se foi;
Mas isso não é tudo.
Focos de incêndios: o que são e como são registrados?
A legislação brasileira autoriza o processo das queimadas controladas, a partir de uma autorização dada pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Com isso, o Ibama, junto ao PrevFogo, mostram que 98% das queimadas são de origem humana.
Os maiores incentivadores desta prática são os agropecuários e os pecuaristas, que usam desta estratégia para limpar o pasto e isso acaba levando a um ciclo vicioso de desmatamento.
Como resultado dessa prática, o fogo sai do controle e acaba atingindo o bioma ao entorno das propriedades privadas. A “limpeza” do terreno acaba se tornando a “destruição” do meio ambiente da região.
Para um satélite captar esse foco de incêndio, como os monitoramentos do Inpe, o fogo precisa ter 30 metros de extensão, por 1 metro de largura. Os satélites geoestacionários só conseguem enxergar aqueles que possuem o dobro. Você tem noção do tamanho que o fogo preciso ter para se detectado?
Mas não são só as questões humanas, a natureza também pode se auto sabotar. A principal combinação que causam os incêndios são: fonte de ignição (com fatores naturais ou mecânicos) + condições climáticas (como o tempo seco) = incalculáveis perdas do meio ambiente.
As principais causas são:
desmatamento: tem como objetivo tirar a mata original para dar espaço a atividades econômicas;
queimadas controladas: fazendeiros utilizam essa técnica para preparar o solo, como limpeza e fertilização;
incêndios florestais: acontecem de forma natural ou acidental e acabam com grandes áreas;
Mas isso não é tudo.
A Amazônia realmente é uma floresta úmida e os incêndios começam quando as árvores desmatadas ficam secas e são incendiadas com o intuito de abrir espaço no meio da mata para atividades econômicas. Por isso o fogo se alastra de maneira rápida.
Em um ambiente úmido como o da mata, um incêndio natural não se alastraria com tanta facilidade, mas por ser uma prática criminosa, acontece o que vemos atualmente.
A floresta poderia facilmente se recuperar após o fogo, mas mesmo assim o novo bioma nunca seria como o original e a biodiversidade não irá se reproduzir como antes. Mesmo assim, isso é um caso único, normalmente a mata não cresce novamente, causando um grande dano ao meio ambiente.
E quais são esses danos?
Vamos começar falando do Pantanal: o ecossistema abriga 1,2 mil espécies de animais naturais e dezenas deles estão em extinção. Deles:
130 espécies de mamíferos;
80 tipos de répteis;
400 aves diferentes;
30 diversidades de anfíbios;
200 variedades de peixes;
Além disso, o Pantanal conta com 220 mil km² de extensão, com áreas:
no Mato Grosso do Sul, com 65% da região;
no Mato Grosso, ocupando 35% do bioma;
mais o restante na Bolívia e Paraguai
O Pantanal tem um papel importante para o funcionamento do meio ambiente. A região auxilia na redução do aquecimento global, pois ajuda na absorção do carbono para conter o efeito estufa. A Unesco considera o bioma como Patrimônio Natural e Reserva da Biosfera Mundial.
Uma das suas principais características são as planícies inundadas, cercadas pelos planaltos com elevada altitude, o que faz com que o Pantanal seja a nascente de diversos rios pantaneiros, que alimentam outros rios no país.
Entretanto, os grandes afluentes da região receberam pouca água durante 2019 e 2020, reduzindo as áreas de inundação e abrindo mais espaço para o desmatamento e a propagação do fogo.
Sem contar que os Biomas são interligados e um precisa do outro para se preencher. O Cerrado é conhecido por ser a “caixa d’água” do país por concentrar as nascentes de rios e bacias hidrográficas, consequentemente, a Amazônia ajuda a levar as chuvas para diferentes regiões do Brasil e da América do Sul.
Esse “transporte” de chuva é conhecido como “rios voadores” e podem ser influenciados com o desmatamento, o que diminui a frequência desses ciclos, levando menos umidade para outras áreas, como o Pantanal, elevando o clima seco, tornando a região propícia para as queimadas.
Além desses, os outros impactos causados pelos incêndios são:
Fumaça
O resíduo que resulta dos fogos liberam partículas na atmosfera e o vento os leva para outras regiões. Essa fumaça é altamente tóxica e prejudicial a saúde, pois ela gera diversos gases tóxicos, como óxidos de nitrogênio, hidrocarbonetos, monóxido de carbono e dióxido de enxofre.
Sem contar que a fumaça contribui para o aquecimento global e o efeito estufa, o que automaticamente altera o clima mundial.
Chuva e temperatura
Segundo a Organização Mundial de Meteorologia, há uma previsão de que entre 2020 e 2024, os incêndios vão causar o aumento da temperatura e reduzir os ciclos de chuva, o que irá resultar em períodos mais secos, principalmente aqui no hemisfério sul.
O tempo seco é o território perfeito para o avanço das queimadas. Cientistas acreditam que se continuarmos nessa de tacar fogo na natureza, a humanidade entrará em uma nova era, a “Piroceno”. A nova onda provocaria extinção em massa da população, transformando o mundo em um caos.
Sabe o calorzinho extra que você está sentindo? Então, ele é uma consequência das queimadas nos ecossistemas.
O fogo aumenta a temperatura, diminui a circulação do volume das águas superficiais, causa a queda da umidade do ar e cria um desequilíbrio ecossistema, com transformações dos ciclos naturais, como o da água.
Vida animal
Outro ponto negativo das queimadas é vida dos animais. O fogo torna o ambiente mais quente, influenciando na vegetação, na população dos bichos e na distribuição de insetos, que são vetores de doenças.
Os incêndios obrigam os animais a se mudarem, os levando a ambientes de risco ou a áreas que não são suas casas naturais. Um levantamento do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), assinado pela doutora em Ecologia e Conservação, Letícia Larcher, mostra como o desmatamento afeta a vida dos animais de diferentes biomas afetados pelo fogo.
Os seres vivos ficam mais expostos aos predadores, o desmatamento causa alterações na fauna, flora e alimentação, mais a mudança de comportamento dos animais e o aumento do risco de extinção. Um exemplo disso são as onças pintadas que estão sofrendo com o fogo. Elas já são animais que estão desaparecendo e os incêndios anda consumindo todo o seu território de sobrevivência.
A alimentação também é prejudicada. As plantas podem deixar de existir ou demorarem para renascer, o que vai influenciar na dieta dos animais, que vão procurar substitutos para poderem se alimentar.
Outra consequência é a alteração dos sistemas de migração. O Pantanal é um ponto de parada da Argentina para os Estados Unidos de diversas aves, com o fogo em alta, eles vão atrás de outro refúgio para se reabastecerem durante a viagem.
O ciclo de vida também é alterado. Além dos animais morrerem com mais facilidade, eles não se reproduzem para dar vida a novas gerações, prejudicando a sobrevivência da espécie.
E esses são apenas alguns dos impactos que as queimadas podem causar ao meio ambiente.
Governo é um suicida ambiental
Contudo, como se o calor não fosse ruim o suficiente, o governo brasileiro tem tendências suicidas em questões ambientais.
Dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, divulgados pelo Observatório Clima, mostraram que o Ministério do Meio Ambiente não utilizou nem 1% da verba destinada a pasta para ações de preservação.
O ministério tinha acesso a R$ 26,5 milhões para medidas de proteção a natureza e desenvolvimento de pesquisas na área de mudanças climáticas. Mas do montante quase nada foi usado e nenhuma política ambiental foi desenvolvida para proteger nossas matas.
Para piorar a situação, o ministro Ricardo Salles está sendo acusado de “desestruturação dolosa”. Os promotores do Ministério Público Federal estão cobrando pelo andamento do processo, pois acreditam que Salles “está buscando desmontar as estruturas institucionais e normativas dos órgãos federais de proteção ao meio ambiente para fazer ‘passar a boiada’”.
Falas embaraçosas
Mas o pior nem é isso. O presidente do país, Jair Bolsonaro, em um discurso gravado na abertura da Assembleia Geral da ONU, afirmou que o país é “vítima” de notícias falsas sobre as queimadas do Pantanal e que os incêndios são realizados por “índios” e “caboclos”.
Como de praxe, a fala dele não trouxe nenhum fundamento básico e em setembro, uma investigação da Polícia Federal apontou que na verdade, o fogo no Pantanal foi iniciado em grandes fazendas, contradizendo a fala do presidente.
E isso não é tudo! No dia 30 de setembro, Jair fez outro discurso para a cúpula sobre biodiversidade da ONU e lá afirmou que “organizações, em parcerias com algumas ONGs, comandam crimes ambientais no Brasil e no exterior”. Mas ele não deu fontes das suas falas e estamos até agora esperando a comprovação do que foi dito.
Vai e volta das leis de proteção ambiental
Tudo começou na segunda-feira, 28 de setembro, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) extinguiu duas resoluções que delimitam Áreas de Proteção Permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro. Tal medida abre precedentes para uso comercial de áreas que deveriam ser protegidas.
Mas pela graça do bom universo, a Justiça Federal do Rio de Janeiro, no dia seguinte, 29 de setembro, suspendeu a decisão do Conama e a Advocacia-Geral da União disse que vai tomar partido quando receber a notificação oficial.
E não foi só isso. Na mesma reunião que o Conama pretendia acabar com as áreas de proteção, também aconteceu a liberação da queima de lixo tóxico em fornos usados para produção de cimento e acabou com a resolução que determina critérios de eficiência de consumo de água e energia para que projetos de irrigação fossem aprovados
Tais medidas violam o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas isso não parece ser o foco do governo brasileiro.
Mas o conselho não tem culpa sozinha. Desde 2019 ele vem sendo sucateado pela administração atual. O órgão é uma das principais ferramenta de consultoria do Ministério do Meio Ambiente e, entre as suas responsabilidades, está estabelecer critérios para licenciamento ambiental e normas para controle e a manutenção da qualidade do meio ambiente.
Por fim, a grande pergunta é: quando o país vai parar de pegar fogo? Ou melhor, quando vão acordar para ver as consequências dos seus atos?
Fontes: G1 | G1 | UOL | Brasil Escola | Brasil Escola | Prepara Enem | Amazônia | G1 | G1 | G1 | Exame | G1
Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
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