Como dissemos aqui no Brasil em 2013 “Não são só 20 centavos”
Na última sexta-feira, 18 de outubro, algumas cidades do Chile lidaram com uma onda de protestos devido ao aumento de passagem do metrô. Com o caos instaurado o presidente do país, Sabastián Piñera, deu o controle da capital do país aos militares, que impuseram toque de recolher e diversas outras restrições a população.
Há algumas semanas os manifestantes protestavam contra o aumento da tarifa pulando as catracas para evitar o pagamento, mas, na última sexta, começaram a movimentação nas redes sociais convidando a todos não apenas a pularem as catracas, mas irem as ruas para reivindicar o que desejavam.
As manifestações resultaram em 41 estações de metrô destruídas, 308 presos, 156 policiais e mais alguns civis feridos, sem contar os incêndios aos ônibus e roubos em diversos estabelecimentos e até mesmo bancos, de acordo com informações apresentadas no domingo de manhã. Com a revolta da população o presidente chegou a anunciar a suspensão do aumento das passagens.
Mas, ainda insatisfeitos com a decisão do governo de convocar as forças armadas para controlar a situação, a população organizou mais protestos e desafiaram as restrições impostas pelos militares, resultando na prisão de mais de 716 pessoas. Além da capital, os militares também atuaram em outras cidades, como Valparaíso. Os distúrbios também causaram a morte de 18 pessoas, de acordo com informações reveladas nesta quarta-feira, 23 de outubro.
Diante da movimentação e da insatisfação da população o presidente foi a imprensa pedindo desculpas, propondo um pacote de melhorias que envolveria o aumento das pensões e do salário mínimo, a redução dos preços dos remédios e da eletricidade, entre outras ações.
Ouça:
Nos primeiros minutos do podcast da Folha de S. Paulo em parceria com o Spotify, que foi ao ar no dia 22 de outubro, os apresentadores e entrevistados discutem a respeito dos acontecimentos do último final de semana no Chile.
Mas qual o motivo do alvoroço?
Apesar da rede de metrô do Chile ser um dos melhores símbolos do país por sua ordem e bom funcionamento, o aumento do preço não condiz com a atual situação do país. O país, que a pouco tempo acreditávamos levar a sua vida calmamente, explodiu em protestos e caos em apenas dois dias, colocando os militares no comando, algo não visto desde a ditadura, em 1987.
Vendo de fora, muitos julgam desnecessário a magnitude dos protestos apenas devido ao aumento das passagens, mas, analisando a situação do país, o reajuste das tarifas foi apenas a cereja do bolo. Por semanas, os usuários de metrôs protestaram de forma “pacífica” apenas pulando as catracas, mas diante de todo o conjunto da obra, era certo a explosão que a população viria a eclodir em poucos dias.
Entre os motivos que levaram a população a ir as ruas e protestar estão os baixos salários dos aposentados, salários indignos e incompatíveis com o estilo de vida imposto pelo país, saúde e educação precária, alta criminalidade, falta de emprego, corrupção na polícia e no exército e entre outros problemas que vieram se acumulando de muitos outros governos.
Um levantamento apresentado na matéria do El País mostra que a economia não se desenvolveu da maneira que o atual governo prometeu, mas os custos de bens de primeira necessidade tiveram grandes reajustes. Em Santiago, por exemplo, o preço da moradia aumentou em 150% na última década, enquanto os salários tiveram um reajuste miserável de apenas 25%.
Além disso, no mês passado o governo anunciou também o aumento das contas de energia elétrica e o aumento do preço dos transportes, com a justificativa que a guerra comercial e a o aumento da cotação do dólar implicariam nas tarifas e era necessário o reajuste dos valores cobrados dos cidadãos.
Juntando tudo isso e também a impunidade aos políticos do país, que se envolveram em diversos escândalos e também fazem parceria com os políticos brasileiros na categoria de declarações infelizes, deu-se a mais bela receita para um caos nacional.
Lembram dos protestos de 2013 no Brasil?
Todo esse caso traz à tona o que aconteceu em junho de 2013 no Brasil, quando a população foi as ruas das capitais para protestarem contra o aumento das passagens, que na época, houve um reajuste de R$0,20 e ainda hoje muitos se perguntam, pra que tudo isso por nada?
É simples, para aqueles que não pegam ônibus, ou nenhum tipo de transporte público, e sempre tiveram uma vida financeiramente confortável, tentar entender porque as classes inferiores vão as ruas para protestar é realmente muito confuso. Em toda a existência dos proletariados, eles têm que lidar com a precariedade de trabalhos que não pagam o necessário para quitar as suas dívidas, fazem mais dívidas para conseguir sobreviver a um mês inteiro, não recebem educação ou saúde dignas, essencial para um estilo de vida aceitável e ainda lidam com diversos obstáculos no dia a dia que colocam em prova a essência do ser humano.
Os governos não lideram para a verdadeira população do país, fazem mudanças drásticas e reajustes inimagináveis para baterem cotas que não são compatíveis com o cenário do país. Em conjunto com isso, ano após ano, a população é bombardeada por escândalos de corrupção e problemas estruturais que causam um impacto direto na vida de trabalhadores simples, que pegam de 3 a 4 ônibus (ou qualquer outro transporte público) para ir e voltar do trabalho.
Nos últimos tempos, vários países da América Latina vêm implodindo em manifestações para chamar a atenção dos responsáveis para irem atrás de uma cura para todos esses problemas, mas quando mais vão as ruas, mais são repreendidos por forças militares, pois tudo o que não querem é que essa classe se liberte e vá atrás de seus direitos. É muito bom reger um país para quem corresponde apenas a seus interesses, mas seria importante lembrarem que não está brincando de casinha e sim tomando conta de milhões de vidas, que carecem de emprego, de renda física, de estudos e de saúde.
Ir a rua se tornou um ato de guerra, quando milhares de pessoas são fortemente agredidas e torturadas apenas por protestarem pelo que é certo. É fato que muitas pessoas vão ali apenas pelo caos, mas a grande maioria está ali pela reivindicação. Nos protestos aqui no Brasil em 2013 o governador do estado de São Paulo mandou que as tropas atingissem os protestantes para ferir, isso é certo? Muitos que estavam nas ruas eram adolescentes e jovens, lutando pelo o que era certo.
E o mais triste de tudo: apesar das longas horas de protestos que houveram aqui e das que ainda estão acontecendo lá no Chile, pergunta se algo vai ser efetivo. As medidas conquistadas são esquecidas em pouco tempo e não adianta voltar as ruas para protestar novamente, porque isso não tem efeito algum. É sensacionalismo dizer que são um bando de desocupados querendo causar encrenca, mas certeza que se esse mesmo problema atingisse as classes mais altas, eles não existiriam, por um simples fato de privilegio.
Ouça:
No programa Café da Manhã, mencionado aqui anteriormente, veiculado no dia 23 de outubro, o tema foi a Tensão Política e o povo nas ruas. Os quase 20 minutos de áudio conta o que vem ocorrendo continente a fora.
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